Fechou o bar Azeitona

Por Marcelo Dunlop

O botequim Azeitona & Cia na rua Dias Ferreira, no Leblon: RIP.
O botequim Azeitona & Cia na rua Dias Ferreira, no Leblon: RIP.

Fechou o bar Azeitona, agora de vez. E o século XX pode descansar em paz. Era o último botequim “das antigas” do Leblon. Do antigo Leblon, digo.

Foi ali, debaixo daqueles toldos velhos, que o general João Figueiredo interrompeu o chope que levava a boca, para cuspir desaforos para uma professora da mesa ao lado que falava de história: “Vocês não fazem a menor ideia de nada! De nada!”.

E nada de intolerância, seguia o chope. Em outro episódio menos indecente, certo dia uma bela moça conversava com um senhor babão quando seu bustiê se soltou, libertando todo aquele conteúdo. O velho, como o ex-presidente militar, também não teve pruridos, e mandou, o olhão arregalado: “É nessa hora que eu me orgulho de ser um mamífero!”.

Era um pé-limpo, com a sola suja, onde se via de tudo, menos pose. A música comia solta, violinos, maus cantores, sambas. Como alguns namoros, muitas composições nasciam e morriam ali (algumas para o bem da MPB). Por lá molharam a goela o imortal João Ubaldo Ribeiro, Miele, Fagner, Marcelo D2, Maria Rita, José Aldo, a turma do basquete, do futebol, do judô, do Jiu-Jitsu, vários atletas e ex-atletas olímpicos. Um mais mentiroso do que o outro. O cliente mais famoso de todos eles, o que mais bebia, claro, era o dono, José Otávio, vulgo (vulgaço) Azeitona.

Quem melhor definiu o grande Azeitona, que hoje está aposentado do bar mas não dos uísques, foi um tricolor que tentou mudar o canal para ver um jogo do Fluminense enquanto o Azeita assistia a uma pelada qualquer de basquete. “O senhor é um grosso! Não devia ser dono de bar, mas de uma borracharia!”. A resposta, com o perdão do meu francês, foi sutil: “É? Então vem cá que enfio uma borracha no seu cu”. E o tempo fechava. Mas no dia seguinte, o bar abria.

Não teremos saudade de tudo, como se pode notar. Mas fica a homenagem e o agradecimento por todos aqueles chopes mornos, petiscos medianos e atuações sofríveis do Flamengo na TV. Éramos felizes e sabíamos.

Paul McCartney não tem vez no Braseiro da Gávea

Por Marcelo Dunlop

Baixo Gávea. Foto: TravelHunter.com
Baixo Gávea. Foto: TravelHunter.com

 

Quando a crise convida ao pessimismo ou ameaça descambar na depressão, está na hora de lembrar Otto Lara Resende. O jornalista mineiro, exímio contador de histórias, defendia que não havia maneira mais sensata de buscar o equilíbrio durante as travessias turbulentas do que alinhar a alta literatura e a baixa gastronomia. Livros, bons livros, para rebater o amargo das manchetes diárias, e bares, bares mequetrefes, para molhar a goela com generosas doses de otimismo.

Contava Otto (1922–1992), numa crônica célebre, que durante uma crise com tanques na rua e greve geral ele e o amigo Rubem Braga pegaram o carro em Ipanema com destino certo: o Bar Luís, botequim na rua da Carioca de onde puderam avaliar todos os contrastes da situação, em especial entre o chope claro e o escuro. “O bar estava aberto e o chope, esplêndido”, avalizou o escritor. Hoje ainda não há tanques no Rio de Janeiro, só torpedos dos pilantras de sempre no Congresso, mas o clima pesado da política pedia um refúgio.

A semana começava, e lembrei então que era uma segunda-feira diferente. O Braseiro da Gávea, um dos pé-limpos mais queridos do Rio de Janeiro, reabriria após seco e tenebroso inverno. Contra o baixo astral, zarpei para o Baixo para recuperar a fé nas boas coisas da vida. De longe, já avistei rostos camaradas procedentes de todos os cantos da cidade. Um amigo de Copacabana trazia o violão guardado na caixa. Outro, da Gávea, estava de muletas, com o joelho recauchutado. Um outro vinha do Panamá. Otto e o velho Braga aprovariam o chope, que estava esplêndido. Mas eu não estava lá para beber nem para conversar, e sim para traçar planos grandiosos para a nação e restabelecer a confiança em nossas instituições. Mal cheguei, portanto, e abri a nossa improvisada sessão extraordinária com uma criativa frase de efeito: “Meus amigos, a coisa está feia.”

A réplica de um dos excelentíssimos presentes não tardou: – É porque você não viu aquele grupo de moreninhas ali. E logo um aparte: – Esse é o Braseiro, o bar zero a zero mais famoso do planeta! Um dos nobres conferencistas pediu um aparte para elogiar o novo CD do Moacyr Luz, em especial o samba de Moa em parceria com Nei Lopes. A canção, “Na vaselina”, defende “que o Rio ainda é o Rio / Mudou, mas ainda persiste aquela norma antiga / Que toda grande bronca, confusão e briga / Fica no bar…”

Outro ilustre palestrante pediu a palavra e inquiriu se os demais casados ao chegarem em casa ainda teriam de lavar a louça. Antes que o tema descambasse para marca de detergentes, um honorável presente foi buscar mais chopes.

Era preciso descongestionar a pauta, e o assunto agora era Cultura Estrangeira: argentina ou brasileira, que mulher é a mais bonita? Relações Exteriores: “Porra, o Alfredinho do Bip-Bip viajou para Cuba!” Não, ele não vai abrir a primeira filial de seu pé-sujo em Havana. Liberalização das drogas: “Soube do casamento do Dudu no sábado? Puseram uns barbitúricos nas bebidas dos coroas, ficou geral muito doido!” Cultura e Teatro: “Não foi a ex dele que fez uma ponta numa peça do Zé Celso onde ela por duas horas fingia tocar siririca no palco?”

Eis que, porém, uma situação grave demandou confabulações e o ensaio de medidas drásticas. Não havia mais tulipas de vidro. Um breve inquérito concluiu: o chope comprado no balcão viria em lamentáveis copos de plásticos. Formou-se rapidamente uma comissão e debateu-se o que fazer. Devolução do dinheiro? Panelaço? Mostrar a língua? Decidiu-se em bloco beber assim mesmo.

Bateu a fome, e reparei na quantidade de travessas de picanhas mal-passadas e linguiças fumegantes que iam e vinham pelas mesas do restaurante, abarrotado de atrizes, DJs, músicos e outros antenados moradores do bairro. O que Paul McCartney, o artífice da campanha mundial “Segunda-feira Sem Carne” por um planeta melhor, acharia de nós? Uns bárbaros sem coração, na certa.

Lembrei disso e pedi um coraçãozinho de galinha para viagem. Tenho certeza de que até o velho beatle compreenderia nosso momento difícil e não ficaria na bronca. Despedi-me dos camaradas e fui para casa assobiando, de alma lavada e cabeça erguida, pronto para enfrentar a crise até o caos, como o sábio Otto ensinava.

O livro que (quase) explicou o Flamengo

O livro do historiador Renato Soares Coutinho sobre o clube do Flamengo: leitura imperdível para estudiosos de futebol.
O livro do historiador Renato Soares Coutinho sobre o clube do Flamengo: leitura imperdível para estudiosos de futebol.

Em janeiro, enquanto meus amigos gastavam as férias torcendo para o Negueba ser emprestado, lancei-me a atividades mais produtivas, como traçar o livro “Um Flamengo grande, um Brasil maior”, do historiador Renato Soares Coutinho, lançado em 2014 pela editora 7 Letras. Entre um capítulo e outro, inflamado, ficava torcendo para o Negueba ser emprestado.

É um livraço, como diria Elio Gaspari. Não pelo tamanho, já que não chega a 200 páginas, calmamente navegáveis. O mérito de Coutinho está em aproveitar com competência a bola que vinha quicando desde 2002, quando Ruy Castro levantou esta, no seu monumental e obrigatório “O vermelho e o negro”:

“Um dia, quando se mergulhar de verdade nos fatores que, historicamente, ajudaram a consolidar a integração nacional, o Flamengo terá de ser incluído. Durante todo o século XX, ele uniu gerações, raças e sotaques em torno de sua bandeira. Ao inspirar um rubro-negro do Guaporé a reagir como um rubro-negro do Leblon (com os mesmo gestos e expletivos, e no mesmo instante), o Flamengo ajudou a fazer do Brasil uma nação”.

Pois o professor e doutor em História mandou a pelota certinha na gaveta, ou nas estantes. A partir da releitura minuciosa do “Jornal dos Sports” (1931–2010), ele percebe como a massificação do Flamengo, tanto no Rio de Janeiro, então capital federal, como em todo território nacional, teve pouco ou nada a ver com títulos conquistados, e sim com a imagem de “time do povo” que o clube soube abraçar num momento em que o Brasil de Vargas buscava se modernizar, nos anos 1930.

Muito graças a técnicas elementares de marketing do presidente José Bastos Padilha, avô do diretor de “Tropa de Elite”, e das crônicas de Mário Filho, bem como do espírito de Gilberto Cardoso, o Flamengo virou símbolo, paixão e conforto para os trabalhadores e torcedores das classes mais baixas. O livro defende que partiram dessas três principais figuras as escolhas acertadas que fizeram do clube uma nação, numa época em que o futebol brasileiro começava a se profissionalizar e acompanhava os rumos políticos e culturais do país. E quem foi sagaz e fechou com o certo cresceu e ganhou os corações brasileiros, da Gávea ao Chuí.

Minha passagem predileta é quando são citados os principais intelectuais decisivos para que o Flamengo pulasse os muros do clube da zona sul e se deixasse amar pelo povão, e se faz justiça ao compositor Wilson Batista, posicionado no mesmo patamar de um José Lins do Rego, um Ari Barroso ou um Nelson Rodrigues. São páginas para se ler cantarolando, em especial se você curte samba.

E há, claro, trechos para se ler em silêncio respeitoso. Como quando o Flamengo enfim anuncia a contratação do cracaço Leônidas da Silva – cedido pelo Botafogo sem empecilhos no dia 10 de julho de 1936. Como o livro explica, a presença do “Diamante Negro” causava desconforto entre sócios e dirigentes alvinegros. Chame de elitismo, preconceito, racismo, atraso ou amadorismo; no fundo, o nome verdadeiro disso é burrice, a inextinguível burrice humana, que jamais foi exclusiva daquela época e muito menos do Botafogo – eis a Federação Carioca que não nos deixa mentir.

Mas, se nem as atuações de Paulo Victor ganham nota dez nos jornais, também se pode achar imperfeições no livro. Por isso o “quase” lá em cima no título.

O autor se arrisca ao insistir num argumento que, ao meu ver, não consegue provar: a de que o Flamengo precisou apagar sua história antes dos anos 1930 para ganhar a massa. O Flamengo teria se reinventado, rescrito sua história de 1895 a 1930 e forçado uma vocação natural para ser popular que jamais existira em seu passado de “clube fidalgo”. Não sei, mas uma agremiação onde remadores perambulavam pelados pela sede, entre outras libertinagens, era mesmo assim tão fidalga? Se o clube era frequentado pela elite, nada prova que suas cores não fossem vistas com simpatia por cariocas de todos os cantos. Pelo contrário, aliás.

Em 1917, João do Rio, notório autor de “A alma encantadora das ruas”, cronista do povão e dos vagabundos do Rio, decidiu testemunhar e relatar, no jornal “O Paiz”, o que era um jogo do Flamengo. E partiu com amigos para ver uma partida contra o Fluminense, que reuniu mais de 6 mil espectadores e onde “500 automóveis buzinavam, bufavam, sirenavam”. É João do Rio que indica, já em 1917, a tal vocação natural do clube que sempre deixou ser amado:

“E o Clube de Regatas do Flamengo foi o núcleo de onde irradiou a avassaladora paixão pelos esportes (…) O povo encheu-se de simpatia”. Mais adiante, arremata: “Tenho assistido a meetings colossais em diversos países, mergulhei no povo de diversos países, nessas grandes festas de saúde, de força e de ar. Mas absolutamente nunca eu vi o fogo, o entusiasmo, a ebriez da multidão assim. Só pensando em antigas leituras, só recordando o Coliseu de Roma e o Hipódromo de Bizâncio.” O placar? Mengão 4 a 1, como de hábito.

Mas o livro é realmente muito bom, e um dos melhores que já li sobre o Flamengo, certa vez apelidado de “o clube que não se explica”. Renato Soares Coutinho talvez tenha sido quem chegou mais perto até hoje.

O dia em que Noel Rosa não encontrou Rubem Braga em Mangueira

Por Marcelo Dunlop

Na porta do Bip-Bip, estico o ouvido em meio à confusão para tentar escutar o samba que sai da mais majestosa birosca do Rio de Janeiro. Fora do bar, uma multidão faz alvoroço na rua Almirante Gonçalves. É uma quinta-feira atípica no estabelecimento do seu Alfredo em Copacabana. Papo comendo solto em voz alta, palmas calorosas no lugar do estalar de dedos que virou etiqueta no lugar para não perturbar os vizinhos. Tem até o breve discurso de dois políticos, em cima de cadeiras na calçada. Época de eleições.

Dentro do boteco, cotovelo com cotovelo, tocam juntos alguns dos músicos mais promissores do samba carioca, sem darem a menor pelota para a importância do encontro. É que Gabriel da Muda, Tiago Pratinha, Tomaz Miranda, Marcelo Professor, Pecly e outros tantos têm aquele teor de não humilhar a ninguém, só querem tocar e cantar numa boa.

A melodia lembra coisas de Mangueira, e me vem à mente uma antiga história ocorrida há quase 80 anos. Ou não ocorrida, na realidade. O dia em que o destino armou para que dois gênios brasileiros se encontrassem pela primeira e única vez: o músico Noel Rosa e o escritor Rubem Braga.

Foi no século passado, em 20 de janeiro de 1936. Um dia também atípico em Mangueira, temperado com discursos de políticos. A escola de Cartola resolveu ousar e exaltar um compositor de outra escola. Não era um cantor qualquer. Noel Rosa, da Vila Isabel, autor do sucesso então recente “Palpite infeliz”, que falava na Mangueira, teve seu repertório cantado por toda a quadra. A homenagem teve direito à presença do prefeito Pedro Ernesto, que interrompeu a batucada para dizer algumas palavras. Lá pelas tantas, um morador emocionado soltou o grito: “Meus senhores, a Mangueira é um morro só!”. O brado deixou um jovem repórter de 22 anos arrepiado, com os olhos úmidos. Era Rubem Braga, que estava lá levado por amigos. O escritor relembrou a ocasião em crônica de 1987, “Visita ao morro da Mangueira”, que está no livro “As boas coisas da vida”:

“Noel Rosa era esperado, mas não apareceu, mandando dizer que estava doente. (Ele morreria tuberculoso em 1937).”

Foi por pouco. E o que será que o sambista então com 24 anos conversaria com o jovem poeta de Cachoeiro? Rubem Braga, amante da boa comida e das coisas simples da vida, poderia ganhar Noel no papo e a noite se estenderia até de manhã, entre goles de cachacinha e conversas sobre frutas suculentas, mulheres e passarinhos. Encantado com aquele novo amigo e suas histórias, quem sabe Noel não aceitasse, vá lá, comer alguma coisinha, só hoje. Quem sabe não passasse a se alimentar melhor com o tempo, diminuindo os danos da esbórnia. Noel Rosa e Rubem Braga seriam então melhores amigos. Comporiam juntos até, e Noel lamentaria muito a morte do amigo fiel, em dezembro de 1990.

Ou daria ruim? Noel e Rubem sairiam de Mangueira já como velhos companheiros, no carro com Cartola, Carlos Cachaça e Zé com Fome. (todos magrinhos, devia caber). Encantado pelas melodias fáceis do menestrel da Vila, Rubem o seguiria em suas serestas e orgias por meses. Cairia doente e perderíamos precocemente nosso sabiá da crônica.

Quase oito décadas depois, Noel Rosa é túnel, Rubem Braga é escola, Pedro Ernesto é medalha e eu sou um cara parado na porta do Bip. Um sujeito com uma única aflição: a de cruzar com várias pessoas erradas nessa vida – e ninguém ter a decência de me apresentá-las.

Ao chegar em casa, no entanto, descubro que as coisas são ainda mais complexas. Leio num livro do pesquisador Sérgio Cabral que o Braga, acredite, papou mosca: Noel estava presente em Mangueira naquele mesmo dia – os jornais registram. O sabiá não sabia. O destino porém deve saber o que faz.

(Por Marcelo Dunlop)

O que aprendi em 10 anos como jornalista de MMA

Por Marcelo Dunlop

A vida voa quando estamos nos divertindo, mas é isto aí, completei esses dias uma década como repórter de GRACIEMAG, revista especializada em MMA e Jiu-Jitsu. Decidi então listar o que aprendi em todos esses anos de viagens exóticas, lições preciosas e observação seríssima.

1. Glória Maria e o mafioso japonês

Uma vez eu estava em Tóquio e o Fedor Emelianenko me abordou com uma garrafa da mais pura vodca russa e uma revistinha de sacanagem. Eu estava de serviço, Imperador, e segui meu caminho no corredor do hotel. Era 2003, e na mesma viagem saí pelas ruas com Wanderlei Silva e a repórter Glória Maria. Foi quando um senhor veio falar comigo e o pessoal da Chute Boxe. Para mostrar que também era casca-grossa, o japonês arregaçou as mangas e exibiu a tatuagem e um dos dedos  faltando, o código de honra da máfia Yakuza. Aprendi rápido a inestimável lição de que o mundo do MMA é cercado de loucos por todos os lados – e me senti em casa.

2. Faixa-vermelha em apuros

Uma vez eu estava na zona sul do Rio e vi um faixa-vermelha dentro de um triângulo arrochadíssimo, aplicado por um faixa-preta totalmente sem noção. O mestre, de idade avançada, quis apontar aonde o jovem visitante estava errando, mas o amalucado não se fez de rogado e encaixou o golpe. A adrenalina ligou o turbo no faixa-vermelha, que disse: “Começou, agora continua”. Ele então saiu do sufoco do modo mais simples possível. E passou a guarda e finalizou num tipo de kimura que eu nunca vira antes. Aprendi que, no Jiu-Jitsu como no jornalismo, nada supera a técnica. E os anos de experiência.

3. A melhor fotografia de Jiu-Jitsu

Uma vez eu estava na Barra da Tijuca, na redação antiga, e ficamos na dúvida de que foto usar para ilustrar certa luta de Jiu-Jitsu. Havia uma bem razoável com o vencedor se dando bem, e uma imagem espetacular do perdedor dando sufoco. O impasse continuava, até que alguém se lembrou do sábio “ensinamento jornalístico” de Carlos Gracie Jr: “Se alguém publica uma foto sua de quatro, calça arriada, e um sujeito chegando, de que adianta você explicar na legendinha ou no texto que não é nada daquilo?”. Após boa gargalhada, escolhemos a foto em que o vencedor se dava bem.

4. O dia em que Steve Jobs salvou minha vida

Uma vez eu viajei até o Oriente Médio e quase venci o Caio Terra – numa corrida de burricos. Estávamos na Jordânia para um campeonato, e decidimos subir as montanhas de Petra ao cair da tarde. Escureceu e só enxergamos os abismos graças ao Ipod salvador do Caio (obrigado, Steve Jobs). Fomos resgatados por três moleques e seus burricos. Aprendi que o repórter deve estar sempre a par dos recursos tecnológicos, pois isso pode salvar sua vida, literalmente. Descobri também que, em corrida de burrico, vence sempre o mais leve.

5. Ouça o conselho de jornalistas veteranos

Uma vez fui escalado para minha primeira viagem jornalística ao exterior, para cobrir um evento de MMA (vídeo acima). O editor-chefe à época, Luca Atalla, me chamou para discutirmos as pautas. Sugeri entrevistar o Randy Couture, e ele deu força. Pediu, no entanto, que conversasse também com um personagem ainda mais interessante: um dirigente meio careca, meio cabeludo, que tinha ideias arejadas para o futuro do UFC. “Eu, hein”, pensei na hora, “como um cartola pode ser um personagem melhor que um atleta?”. Uma vez lá, não me empenhei o suficiente e não entrevistei Dana White. Aprendi a jamais duvidar dos conselhos de um repórter veterano.

6. O valor de saber o que fazer no chão

Uma vez eu estava de folga, num samba, e fui deixar uma morena em casa. A noite agradável virou pesadelo num segundo, quando o ex-namorado da moça apareceu furibundo, e bêbado. O pior? Eu ainda não treinava Jiu-Jitsu. Incapaz de evitar o conflito, comecei a repassar mentalmente as técnicas de montada que havia apurado dias antes, com o faixa-coral Redley Vigio e seu filho, Patrick. Deu certo: nos embolamos, caí montado (pés colados nas nádegas do agressor, peso no quadril), e com dois tapas encerrei a querela, sem ninguém se machucar. A não ser o coração partido do sujeito.

7. Estrada, poeira e solavancos para ver Anderson Silva

Uma vez eu encarei, sem piar, 1.126km de estrada (700 milhas), do Rio de Janeiro a Vitória da Conquista, na Bahia. O motivo foi nobre: testemunhar o retorno aos ringues de Anderson Silva, que estava meio desanimado com a carreira de MMA. Na piscina do hotel, sem fãs nem interrupções, conversei com Anderson sobre seu início no boxe do Corinthians, seus primeiros treinos com os Nogueira, e os sonhos para o futuro. Fico pensando se o rei do UFC ainda sente saudades daquele vestiário vazio, de poder ler seu livrinho sem ser perturbado antes da luta, e acho que, no fundo, ele não sente tantas saudades não.

8. Ronaldo Jacaré e os vagalumes no breu

Uma vez eu me vi dentro do triângulo do Ronaldo Jacaré, e quase dormi. Enxerguei os “vagalumes no breu” que todo lutador de Jiu-Jitsu vê quando apaga num golpe. Jaca não fez por mal, estava apenas me mostrando como seu arrocho pouco usual era tão eficiente quanto o clássico, mas fiquei grogue. Aprendi ali que, no mundo do MMA, o relacionamento entre repórter e personagem é bem característico. Como manter a relação supostamente ideal entre jornalista e fonte, “a mesma proximidade cordial que você tem com seu vizinho do sétimo andar”, nas palavras do sábio Elio Gaspari, se muitas vezes é preciso rolar no chão com o entrevistado? A solução é cair dentro sempre, mas com respeito à ética e, em especial, ao leitor.

9. O brasileiro mais durão

Uma vez a “Men’s Journal” emplacou uma reportagem com os 25 homens mais durões dos EUA (com Mel Gibson e Matt Hughes bem na lista), e começamos a debater na redação quem seriam os brasileiros mais cascudos vivos. O papo virou pauta, e a equipe a executou com maestria, elevando Helio Gracie ao primeiro posto, numa seleção de respeito que tinha do surfista de ondas grandes Rodrigo Resende ao escritor Rubem Fonseca, passando por embaixadores e senadores. A revista foi bastante elogiada, até em Brasília, mas faltava descobrir o que o personagem da capa achara. Ouvimos então a opinião franca do professor Helio: “São umas bestas, puseram na lista a bicha de tangas do Gabeira”. Aprendi que, como ensinou Churchill, sucesso é ir de derrota em derrota sem perder o entusiasmo.

10. Rodrigo Minotauro e o pedido materno

Uma vez eu estava tomando café da manhã com Minotauro no Japão, e notei a chegada do ex-jogador de basquete Paulo Cesar “Giant” Silva. Ele estava solitário, com o semblante triste e melancólico que só os lutadores de marmelada e os palhaços têm. Apresentei-o ao Rodrigo e à mamãe Nogueira, que viajara com os filhos. Quando Giant Silva se afastou, a mãe ralhou com Minota: “Me promete uma coisa: com esse cara, desse tamanho, você jamais vai lutar, ouviu meu filho?”. Aprendi, ali, a escrever sobre vale-tudo com um mínimo de sensibilidade, sem verbos como “triturar” ou “atropelar”. Afinal, as mamães também lêem GRACIEMAG.