No dia 18 de setembro de 1904, foi inaugurado, no cemitério de São João Batista, o monumento mandado construir para sepultura de um intemerato patrício que pagou com a vida o seu estranhado amor e afoiteza, na tentativa de resolver o problema de navegação aérea: Augusto Severo de Albuquerque Maranhão.
Natural de Macaíba, estado do Rio Grande do Norte, onde nasceu a 11 de janeiro de 1864, veio moço para o Rio de Janeiro, e aqui cursou a Escola Politécnica.
Com o advento da República, ingressou na política, vindo a ser representante do seu estado do Congresso Nacional.
Empolgando-se pelos estudos aeronáuticos, imaginou um tipo de dirigível, e foi construí-lo em Paris. Durante meses trabalhou desse aparelho, que denominou “Pax”.
Na madrugada de 12 de maio de 1902, retirou-o do enorme “hangar” que havia improvisado na rue Vaugirard e o encheu, preparando-se para a primeira experiência. Era de se contemplar aquele estranho engenho, com os motores suspensos por armações de bambu.
Às 5 e meia da manhã, Augusto Severo meteu-se na barquinha, com o seu mecânico francês Sachet, e deu o sinal de “Larga!”.
O “Pax” elevou-se no espaço, silenciosamente. Decorridos apenas 15 minutos, quando o dirigível já se encontrava a 600 metros de altura, explodiu com enorme fragor, caindo os destroços, em volta com os corpos dos dois desditosos aeronautas, no cruzamento da Avenue de Maine com a Rue de La Gaité.
Naquela tarde fatal, os vendedores de jornais no “boulevard” já apregoavam o triste acontecimento: “La catastrophe du Pax!” Les drames de la locomotion aérienne!” “La mort de Monsieur Severo!”* E as sucessivas edições dos jornais percorriam toda Paris sob intensa emoção.
“Il etait 5 h. 45 – informava um vespertino – Le balon planait à environ 600 metres. Tout le monde le regardait avec anxiété lorsque tout a coup une explosion se fait entendre et il tombe. Avec un bruit effroyable le moteur s’aplatit a terre. On aperçoit alors deux cadavers abominablement mutilés. Le malhereux inventeur devait enlever dans cette ascencion un de ses compatriots, Monsieur Alvaro P. Reis, qui, au dernier moment, a eu la bonne inspiration de s’abstenir. Les débris du “Pax” jonchent le sol entourés par des milliers de personnes. Les cadavres sont lá, au milieu de La chaussée; c’est un spectacle affreux.” **
O dirigível de Augusto Severo era de forma assimétrica, mais grosso em um extremo do que no outro, assemelhando-se a um melão. A barquinha era comprida, medindo 16 metros de extensão. Não tinha leme, efetuando a mudança de direção por meio de duas hélices. A propulsão era no próprio corpo de balão, acionado por dois motores "Buchet”, um de 16 e outro de 24 cavalos, estando um na proa e outro na popa da barquinha. Pesavam estas máquinas 90 quilos.
Dizem uns que o desastre fora ocasionado pela extrema proximidade entre os motores e o corpo do balão; outros, que resultara da explosão de um dos motores. A explicação mais racional, porém, pareceu ser a seguinte: produzira a explosão o hidrogênio que enchia o balão, gás esse que teria escapado do invólucro e entrado em contato com a chama produzida pelo motor.
O fato é que o desastre se deu. E a fatalidade fez perder um heróico pioneiro da aviação.
O corpo de Augusto Severo, depois de embalsamado, foi trazido para o Rio, sendo inumado, com excepcionais honras militares e civis, no dia 18 de junho de 1902.
A fotografia mostra o “Pax”, saindo do hangar, instantes antes do seu voo funesto. Note-se a bandeira brasileira na popa.
Notas de tradução:
* "A catástrofe do Pax!" Os dramas da locomoção aérea!" " A morte do Sr. Severo!”
** "Eram 5:45 - informava um vespertino - o balão pairava a cerca de 600 metros. Todo mundo assistia com ansiedade, quando, de repente, uma explosão foi ouvida e ele cai. Com um ruído aterrador o motor se choca com o solo. Vemos, então, dois cadáveres horrivelmente mutilados. Malhereux, o inventor, devia ter levado nessa ascensão um de seus compatriotas, o Sr. Alvaro P. Reis, que, no último momento, teve a inspiração de abster-se. Os restos do "Pax" jaziam no chão cercado por milhares de pessoas. Os cadáveres estavam lá, no solo; é um espetáculo desolador.”
(Do livro “Rio Antigo”, vol. II, de C.J. Dunlop)