“A Grande Enchente” de 1909 no Rio de Janeiro

Loja da rua do Senado: hoje, um Antiquário.

Um temporal que transforme o Rio de Janeiro em cidade veneziana não é, como se sabe, fato extraordinário, nem tampouco novidade nos dias de hoje. A tempestade que desabou à noitinha do dia 21 de março de 1909, todavia, foi um espetáculo impressionante: raios, trovões, aguaceiro e uma ventania fortíssima, numa ânsia doida de tudo destruir.

Esperava-se chuva; por isso, quando, às 6 horas da tarde, após caírem alguns pingos grossos, duas grandes bátegas d’água abateram sobre a cidade, muitos já haviam tomado precaução para se livrar do aguaceiro.

Outros, porém, colhidos pela tormenta, procuravam abrigo nas lojas e nos vãos das portas. Mas a água era demais e encharcava toda gente. Nem dentro dos próprios veículos se estava livre de seus efeitos.

Os bondinhos puxados a burro mal andavam. Suas cortinas, rasgadas pelo furacão, deixavam passar a chuva forte, nas rajadas do vento. Os bondes elétricos da Light, interrompida a corrente, estendiam-se em filas intermináveis por toda a parte. Alguns passageiros mais afoitos, afrontando o tempo, procuravam o recurso dos veículos não eletrificados.

A ventania fazia verdadeiras devastações. Andaimes, tapumes e taboados de anúncios ruíam, entulhando as ruas. A cidade alagou-se como poucas vezes. Praças e jardins ofereciam o aspecto de verdadeiros lagos. Algumas ruas transformaram-se em rios caudalosos.

O largo do Matadouro (atual praça da Bandeira) ficou inteiramente inundado. As águas subiram ali, a um metro de altura, invadindo todas as casas em torno.

Os rios Maracanã, Trapicheiro, Joana e Comprido transbordaram.

Os trens de subúrbio paralisaram por completo. As linhas telefônicas e telegráficas ficaram interrompidas.

Em diversos pontos da cidade, a impetuosidade do vento derrubou grande número de árvores. Das Águas Férreas ao largo do Machado mais de 60 foram arrancadas.

Na rua General Polidoro, dois pobres burros foram fulminados por forte descarga elétrica, motivada pela queda de um fio condutor da rede de alta tensão da Companhia Ferro-Carril do Jardim Botânico.

No mar, o tufão fez romper as amarras de várias embarcações. Muitas lanchas estiveram em perigo. Alguns barcos soçobraram, havendo vítimas.

Mas, não foi apenas aos vivos que o temporal prejudicou: os cemitérios da cidade, também, foram danificados e, não só se registraram árvores tombadas e canteiros arrasados, como alguns túmulos derrocados.

Por fim, serenados os ventos e cessada a chuva, as águas escorreram, deixando sobre o calçamento e sobre os passeios, como recordação do grande temporal, espessa e escorregadia camada de barro e lama, trazidos pela violência das enxurradas dos morros vizinhos.

A fotografia mostra um aspecto da enchente na rua do Senado.

*** Notas do Editor:

. Como visto, sempre existiram as famosas águas de Março. A crônica foi escrita em 1962.

. Águas Férreas: atual Cosme Velho.

Quando CJ Dunlop sugeriu uma crônica a Rubem Braga

Crônica de Rubem Braga com menção a CJ Dunlop. Reprodução dos arquivos da família Dunlop.
Crônica de Rubem Braga com menção a CJ Dunlop. Reprodução dos arquivos da família Dunlop.

 

Charles Julius Dunlop nasceu em 1908 e nos deixou em 1987. Rubem Braga veio ao mundo em 1913, partiu em 1990. Não se sabe se um dia apertaram os ossos, aqui ou além, mas se admiravam. É o que atesta este recorte encontrado na pasta nº 1 dos arquivos do velho CJ, guardados em gavetões de ferro na região de Petrópolis.

A crônica de Braga foi publicada na “Folha da Tarde” em 9 de março de 1954. A pepita entrou no livro “A traição das elegantes”, de 1967, com o nome de “Nós, imperadores sem baleias” e outras adaptações. Este é considerado um dos melhores textos do escritor capixaba, e está na antologia “200 crônicas escolhidas de Rubem Braga”. Ainda que o velho Braga ou algum datilógrafo tenha invertido as iniciais, o colega CJ curtiu, e a guardou com estima.

Para saber mais sobre o velho Braga, clique aqui.

Ascensão do balão “Portugal”

Por CJ Dunlop

Praça da República, em 21 de maio de 1905. Foto: Arquivos Charles Julius Dunlop.
Praça da República, em 21 de maio de 1905. Foto: Arquivos Charles Julius Dunlop.

O mês de maio de 1905 traz à lembrança um acontecimento que, por constituir espetáculo nôvo para a população carioca, despertou em tôda a cidade uma viva e justa curiosidade: a ascensão do balão “Portugal”.

Por duas vêzes, nos dias 7 e 21 daquele mês, o povo afluiu ao jardim da praça da República, a fim de assistir à arrojada proeza do aeronauta português Guilherme Magalhães Costa. Moço ainda, com trinta e poucos anos de idade, capitão da marinha mercante, natural de Vila Nova de Gaia, dedicara-se ao arriscado “sport”, já tendo feito diversas ascensões em vários pontos de Portugal e também na França. O enorme aeróstato fôra fabricado em Paris, mas a sêda do envoltório, de côr avermelhada, era japonesa. Comportava 30 toneladas de gás, fornecido pela Société Anonyme du Gaz por meio de um encanamento improvisado, trazido da rêde geral pelo portão do jardim em frente à rua do Hospício (atual Buenos Aires). Na barquinha podiam viajar até seis pessoas.

Na clareira central do parque, onde se mantinha cativo o “Portugal”, por meio de pesados sacos de areia, armara-se um cercado de madeira circular, em tôrno do qual havia uma fila de cadeiras destinadas a aluguel.

Por ocasião da priemira ascensão, o dia estava deslumbrante, céu límpido, todo azul. Esta circunstância e o fato de ser domingo concorreram para que, dêsde cedo, comparecesse enorme multidão de espectadores.

Ao meio-dia, abertos os portõs do parque, o povo começou a entrar, aglomerando-se, curioso, em tôrno do balão. Carruagens elegantes e cavaleiros trotando pela alamedas de jardim davam um aspecto ainda mais festivo ao local. Num corêto tocava a banda de música da Marinha.

Pouco depois das 3 horas da tarde, o cap. Magalhães Costa mandou fechar o registro do gás: estava cheio o balão. Em seguida, saltou para dentro da cêsta, juntamento com o fotógrafo da “Gazeta de Notícias”, Paulino Botelho, saudou o público e deu a ordem de largar.

O “Portugal” subiu veloz, demandando o espaço, enquanto cá em baixo a multidão prorrompia numa estrondosa ovação. O balão tomou a direção do Canal do Mangue, São Cristóvão, passou pelo antigo prado do Jóquei Clube onde os aficionados das corridas o saudaram efusivamente, rumou para os lados da Tijuca e Inhaúma e desceu às 4,40 h, no lugar denominado Capão do Bispo, no Méier.

Quando da segunda ascenção, um domingo também, o dia estava encoberto, pouco propício à arriscada façanha, pois ventava muito. Não obstante, considerável multidão afluiu ao jardim da praça da República.

Às 10 horas da manhã começou o trabalho de enchimento do balão com gás da iluminação pública, tarefa que terminou às 2,45 h da tarde. Já então era enorme o número de pessoas presentes, muitas das quais munidas de binóculos.

Afinal, o cap. Magalhães Costa e o fotógrafo da “Gazeta de Notícias” tomaram seus lugares na barquinha. Dada a largada, o balão elevou-se num ímpeto, quase na vertical, sob entusiásticas aclamções do povo, e tomou o rumo do antigo morro do Senado. A fim de se desviar dêsse obstáculo, o aeronauta despejou o lastro, mas foi colhido por forte ventania. O balão subiu a mais de 800 metros e passou pelo largo do Machado, em direção a Botafogo, a uma grande velocidade. A situação tornara-se perigosa. Percebendo que não seria possível conservá-lo mais tempo no ar, o aeronauta funcionou a válvula de descida e o balão veio ter à terra no sopé do morro da Viúva. A multidão acorreu até lá e por longo tempo aclamou o “arrojado viajor dos ares”.

A fotografia mostra um aspecto da praça da República, no dia 21 de maio de 1905, vendo-se o público aguardando a abertura do portão do jardim, em frente ao antigo Quartel General.

(Por CJ Dunlop, originalmente publicado em: "Rio Antigo volume 1")