As primeiras escaladas no Pão de Açúcar

Registro do morro do Pão de Açúcar, na Urca.
Registro do morro do Pão de Açúcar, na Urca, no começo do século XX.

 

 

Não há memória de que alguém haja escalado o Pão de Açúcar antes de 1817. Neste ano, porém, consta que lá subiu uma destemida inglesa, cujo nome não se sabe. Conduzindo nas mãos a “Union Jack”, arrojadamente aventurou-se pela rocha ínvia e, depois de horas de esforços inauditos, logrou realizar a temerosa façanha, fincando no cume do morro, em solo virgem, a bandeira britânica. Foi um acontecimento que empolgou toda a cidade, pelo cunho de audácia e sensacionalismo.

Um soldado lusitano, no entanto, enxergou nisso uma afronta e, no dia seguinte, escalou o penhasco, arrancou a bandeira inglesa e a substituiu pelo pavilhão real português. Valeu-lhe a patriótica proeza sua baixa do serviço militar.

Alguns anos mais tarde, dois oficiais da marinha britânica repetiram a façanha de sua patrícia. Um grupo de patriotas reuniu-se e resolveu também tirar de lá a bandeira inglesa, considerada uma ofensa aos brios nacionais. Partiram naquela mesma noite e, já de madrugada, tremulava no píncaro do penedo o pendão auriverde.

Seguiram-se outras ousadas ascensões ao alto do Pão de Açúcar, como a de 1838, por uma mulher que se chamava nada menos que dona América Vespucci.

A 31 de outubro de 1851, uma caravana de dez pessoas, organizada pelo dentista Burdell, entre as quais duas senhoras e um menino de dez anos de idade, também escalou a famosa montanha. Eram todos norte-americanos, com exceção de um, inglês.

Começaram a subida ao meio-dia, vencendo a primeira etapa à 1 hora da tarde. Após pequeno descanso, começaram a segunda subida, mais difícil e perigosa. Às 2 horas chegaram à terceira, que é quase perpendicular e tem uns 70 pés de altura (cerca de 21 metros). Finalmente, às 5 horas da tarde estavam todos no cume, tendo o menino chegado em primeiro lugar.

Soltaram foguetes, e à noite uma enorme fogueira iluminou o alto do morro, como uma coroa de fogo.

“Depois de contemplarmos a cidade e arrabaldes – contou um dos alpinistas – fomos descansar às 11 horas; não dormimos, pois todos, menos o menino, estávamos demasiadamente deslumbrados pelo espetáculo. As luzes longínquas, o zunir do vento e a grande altitude, como que nos separavam do resto do mundo”.

Ao alvorecer, hastearam as bandeiras do Brasil, dos Estados Unidos e da Inglaterra, e às 8 horas começaram a descida, chegando ao ponto de partida sem o menor acidente.

Um dos excursionistas encontrou no caminho uma bala de artilharia, que trouxe como troféu da campanha, parecendo ter sido atirada da fortaleza de Santa Cruz.

Depois dessa aventura, as escaladas do Pão de Açúcar tornaram-se frequentes.

No dia 30 de junho de 1887, partira para Europa, devido a grave enfermidade, o Imperador D. Pedro II. Por ocasião do seu regresso, a 22 de agosto de 1888, os briosos alunos da Escola Militar, arrostando os maiores perigos, subiram pela encosta do penedo e, lá no alto, arvoraram a bandeira nacional, estendendo do lado do mar um enorme pano verde sobre o qual se destacava em grandes letras amarelas, a palavra “SALVE!”. Cada letra media oito metros de altura. O Imperador, emocionado, cumprimentou, depois, um por um, os cadetes audazes.

A fotografia mostra o penhasco do Pão de Açúcar, no começo do século XX. No primeiro plano, vê-se o antigo edifício da Escola Militar, com a sua fachada de 180 metros de extensão. Inaugurado por D. Pedro II no dia 5 de fevereiro de 1859, foi remodelado em 1908, para servir de Palácio das Indústrias na grande Exposição Nacional; de 1913 a 1919, nele esteve a Escola do Estado Maior do Exército; por último, foi quartel do 3.º Regimento de Infantaria, sendo demolido após a revolução comunista de 1935.

 

                   (Do livro “Rio Antigo”, vol.II, de C. J. Dunlop, 1956)

Os bastidores da proclamação da República no Brasil

Caricatura da época, Major Solon
Caricatura do major Solon à época da proclamação da República, em 15 de novembro de 1889.

 

Dentre os que tomaram parte no movimento revolucionário de 15 de novembro de 1889, que culminou na proclamação da República, o major Frederico Solon Sampaio foi, sem dúvida, um dos elementos de maior destaque, tendo desempenhado papel decisivo na organização e desfecho final do golpe.

Na ante-véspera, ele, Benjamim Constant e Quintino Bocaiúva reuniram-se no escritório deste último, na rua do Carmo, a fim de confabular sobre o movimento projetado e marcar o dia de sua eclosão.

Benjamin era de opinião que nada, em definitivo, se poderia resolver, pois no dia seguinte ainda devia conferenciar com alguns amigos do Club Naval. Só depois disso é que poderiam fixar a data.

Quintino, vivamente apoiado por Solon, achava que estaria abortada a revolução, se ela não rebentasse até o dia 15.

“Com a impetuosidade de um fanático" – escreveu mais tarde Quintino Bocaiúva – "o major Solon, tomando uma fôlha de papel, propôs que aí exerássemos a nossa firme resolução de proclamar a República no dia 15 de novembro, jurando que essa resolução era inabalável e que nos exporíamos a todos os riscos que sobreviessem. A isso opus-me eu, ponderando que os três homens, que ali estávamos, eram sinceros e leais, e que nenhum de nós precisaria oferecer ou pedir garantia que assegurasse nossa fidelidade à causa de revolução e da República”.

Retirando-se Benjamim, continuaram os dois a conferenciar, combinando um encontro no dia seguinte, à noite, no largo de São Francisco de Paula.

Nessa noite, no entanto, espalhou-se pela cidade o boato de que Benjamim Constant e também o general Deodoro da Fonseca haviam sido presos, por ordem do Govêrno.

Fôra o próprio major Solon quem emaranhara essa série de supostos acontecimentos, propalando-os, como uma bomba, nas principais ruas do centro: ”O Govêrno acaba de resolver, não só o embarque de várias unidades do nosso Exército, com sede no Rio de Janeiro, para diversos pontos do Brasil, como a prisão do general Deodoro e do dr. Benjamim Constant”.

A notícia correu célere, de bôca em bôca, indo bater, como desejava Solon, aos quartéis.

Como Quintino sabia onde, àquela hora, devia achar-se Benjamim, mandou um emissário ao Club Naval, pedindo notícias suas. Pelo mesmo portador, Benjamim mandou dizer que tudo ia bem, estando o movimento marcado para domingo, dia 17.

“Fui imediatamente procurar o major Solon" – é ainda Quintino que conta – "e expus-lhe os meus receios, ficando, afinal, deliberado entre nós que, apesar do recado do dr. Benjamin Constant e da prostração em que se achava, por enfêrmo, o general Deodoro, o movimento se efetuaria na sexta-feira. Ao meu ilustre amigo, o dr. Benjamim Constant, mandei então dizer que era tarde, que a revolução teria lugar no dia seguinte, fosse qual fosse o resultado”.

Foi nesse memorável encontro com Quintino, que o major proferiu a célebre frase: “Amanhã ou nunca!”

E, assim, chegou o 15 de novembro.

Solon Ribeiro, que se vê numa caricatura da época, faleceu nesta capital, a 10 de janeiro de 1900, no pôsto de general de brigada.

 

(Do livro “Rio Antigo”, vol II, de C.J. Dunlop, 1956.)

Raízes do futebol brasileiro

Por CJ Dunlop

Futebol no Rio de Janeiro. Foto: Arquivo Charles Julius Dunlop
Futebol no Rio de Janeiro. Foto: Arquivo Charles Julius Dunlop

 

Não se pode precisar ao certo a data em que começou a prática do futebol entre nós. Presume-se que tenha sido por volta de 1886, entre membros da colônia inglesa de São Paulo. Dois anos depois, foi ali fundado o “São Paulo Athletic Club”, cujo primeiro “ground” se instalou na antiga Chácara Dulley, em Bom Retiro. Mas, ou fosse pela pouca comunicabilidade natural dos ingleses, ou por outras quaisquer causas, o certo é que, durante cerca de dez anos, o futebol foi exclusivamente praticado por eles.

No Rio de Janeiro, coube a Oscar Cox a iniciativa de sua adoção, datando de 1897 a primeira tentativa para formação de um “team” de brasileiros. Em face, porém, da inexistência de um campo apropriado e, principalmente, pela falta de adeptos desse esporte, a bola que fora por ele mandada vir da Europa pouca aplicação teve.

Cox, entretanto, não desanimou e, quatro anos depois, conseguiu formar um conjunto, o primeiro no gênero organizado no Rio: Clyto Portella, “goal-keeper”, Victor Etchegaray e Walter Shuback, “backs”, Mário Frias, Oscar Cox e Mac Naegely, “halves”, Horácio da Costa Santos, Eurico de Moraes, Luiz Nóbrega, Júlio de Moraes e Félix Frias, “forwards”.

O primeiro jogo foi disputado em Niterói, na manhã do dia 1º de agosto de 1901, contra os ingleses do “Rio Cricket and Athletic Association”, terminando a peleja com um honroso empate de 1 x 1, “goals” de Julio de Moraes e Robinson. Assistiram a esse encontro apenas dezessete pessoas: onze tenistas que acidentalmente estavam na sede do Rio Cricket, quatro espectadores que seguiram especialmente desta Capital e dois indivíduos desconhecidos. Os quatro espectadores – os primeiros “torcedores” cariocas – foram o Sr. Etchegaray, pai de Victor; a senhorita Etchegaray, irmã do mesmo; Mário Rocha e Domingos Moutinho.

No ano seguinte, achando Oscar Cox que já se fazia necessário constituir uma agremiação brasileira dedicada ao “nobre esporte bretão” (era comum trocar-se o “britânico” por “bretão”), reuniu um grupo de amigos e, no dia 21 de julho de 1902, na residência do Sr. Horácio da Costa Santos, na rua Marquês de Abrantes n º 51, fundaram o Fluminense Football Club.

Compareceram a essa memorável reunião os Srs. Horácio da Costa Santos, Mário Rocha, Walter Shuback, Félix Frias, Mário Frias, Heráclito de Vasconcelos, Oscar A. Cox, João Carlos de Mello, Domingos Moutinho, Luiz Nóbrega Júnior, Arthur Gibbons, Virgílio Leite de Oliveira e Silva, Manoel Rios, Américo da Silva Couto, Eurico de Moraes, Victor Etchegaray, A. C. Mascarenhas, Álvaro D. Costa, Júlio de Moraes e A.A. Roberts. Foram todos considerados sócios fundadores, sendo Oscar Cox proclamado presidente.

Assim nasceu o primeiro clube de futebol carioca. A fotografia mostra o campo do Fluminense tal com era antigamente, vendo-se ao fundo a antiga rua Guanabara, hoje Pinheiro Machado. O prédio assobradado que aparece à direita era a residência do escritor, poeta, dramaturgo, orador e jornalista Henrique Maximiano Coelho Neto.

Como curiosidade da época, note-se o uniforme dos jogadores: calção abaixo dos joelhos, camisa de mangas arregaçadas e casquete na cabeça.

Ascensão do balão “Portugal”

Por CJ Dunlop

Praça da República, em 21 de maio de 1905. Foto: Arquivos Charles Julius Dunlop.
Praça da República, em 21 de maio de 1905. Foto: Arquivos Charles Julius Dunlop.

O mês de maio de 1905 traz à lembrança um acontecimento que, por constituir espetáculo nôvo para a população carioca, despertou em tôda a cidade uma viva e justa curiosidade: a ascensão do balão “Portugal”.

Por duas vêzes, nos dias 7 e 21 daquele mês, o povo afluiu ao jardim da praça da República, a fim de assistir à arrojada proeza do aeronauta português Guilherme Magalhães Costa. Moço ainda, com trinta e poucos anos de idade, capitão da marinha mercante, natural de Vila Nova de Gaia, dedicara-se ao arriscado “sport”, já tendo feito diversas ascensões em vários pontos de Portugal e também na França. O enorme aeróstato fôra fabricado em Paris, mas a sêda do envoltório, de côr avermelhada, era japonesa. Comportava 30 toneladas de gás, fornecido pela Société Anonyme du Gaz por meio de um encanamento improvisado, trazido da rêde geral pelo portão do jardim em frente à rua do Hospício (atual Buenos Aires). Na barquinha podiam viajar até seis pessoas.

Na clareira central do parque, onde se mantinha cativo o “Portugal”, por meio de pesados sacos de areia, armara-se um cercado de madeira circular, em tôrno do qual havia uma fila de cadeiras destinadas a aluguel.

Por ocasião da priemira ascensão, o dia estava deslumbrante, céu límpido, todo azul. Esta circunstância e o fato de ser domingo concorreram para que, dêsde cedo, comparecesse enorme multidão de espectadores.

Ao meio-dia, abertos os portõs do parque, o povo começou a entrar, aglomerando-se, curioso, em tôrno do balão. Carruagens elegantes e cavaleiros trotando pela alamedas de jardim davam um aspecto ainda mais festivo ao local. Num corêto tocava a banda de música da Marinha.

Pouco depois das 3 horas da tarde, o cap. Magalhães Costa mandou fechar o registro do gás: estava cheio o balão. Em seguida, saltou para dentro da cêsta, juntamento com o fotógrafo da “Gazeta de Notícias”, Paulino Botelho, saudou o público e deu a ordem de largar.

O “Portugal” subiu veloz, demandando o espaço, enquanto cá em baixo a multidão prorrompia numa estrondosa ovação. O balão tomou a direção do Canal do Mangue, São Cristóvão, passou pelo antigo prado do Jóquei Clube onde os aficionados das corridas o saudaram efusivamente, rumou para os lados da Tijuca e Inhaúma e desceu às 4,40 h, no lugar denominado Capão do Bispo, no Méier.

Quando da segunda ascenção, um domingo também, o dia estava encoberto, pouco propício à arriscada façanha, pois ventava muito. Não obstante, considerável multidão afluiu ao jardim da praça da República.

Às 10 horas da manhã começou o trabalho de enchimento do balão com gás da iluminação pública, tarefa que terminou às 2,45 h da tarde. Já então era enorme o número de pessoas presentes, muitas das quais munidas de binóculos.

Afinal, o cap. Magalhães Costa e o fotógrafo da “Gazeta de Notícias” tomaram seus lugares na barquinha. Dada a largada, o balão elevou-se num ímpeto, quase na vertical, sob entusiásticas aclamções do povo, e tomou o rumo do antigo morro do Senado. A fim de se desviar dêsse obstáculo, o aeronauta despejou o lastro, mas foi colhido por forte ventania. O balão subiu a mais de 800 metros e passou pelo largo do Machado, em direção a Botafogo, a uma grande velocidade. A situação tornara-se perigosa. Percebendo que não seria possível conservá-lo mais tempo no ar, o aeronauta funcionou a válvula de descida e o balão veio ter à terra no sopé do morro da Viúva. A multidão acorreu até lá e por longo tempo aclamou o “arrojado viajor dos ares”.

A fotografia mostra um aspecto da praça da República, no dia 21 de maio de 1905, vendo-se o público aguardando a abertura do portão do jardim, em frente ao antigo Quartel General.

(Por CJ Dunlop, originalmente publicado em: "Rio Antigo volume 1")