A Fábrica do Aterrado do Rio de Janeiro

Aterrado I

A estampa acima, reproduzida do Eco Americano, periódico publicado em Londres em língua portuguesa, mostra a antiga fábrica de gás do Rio de Janeiro em 1871, no Caminho do Aterrado (depois Senador Euzébio, hoje Avenida Presidente Vargas númeo 2610).

O Barão de Mauá, pioneiro da iluminação a gás, havia seis anos antes transferido a concessão desse serviço para a companhia inglesa Rio de Janeiro Gas Company Limited.

O edifício da fábrica, construído entre 1852 e 1854, ocupava todo o quarteirão compreendido entre as travessas de São João e do Porto (atuais ruas Dr. Carmo Neto e Comandante Mauriti).

No corpo central, ficavam os escritório, a oficina de modeladores, o depósito de medidores e dos aparelhos para exame dos registros do combustível, o laboratório e a câmara escura onde se aferia, por meio de fotômetros Bunsen, a força do gás iluminativo. Desta parte do prédio para ambos os lados, prolongava-se o pavimento térreo: um dos corpos era habitado pelos funcionários graduados da fábrica, que dispunham, para seu conforto e recreação, de uma biblioteca com sala de leitura, botica bem provida e tanques para banho. O outro corpo lateral do edifício era ocupado pelos aparelhos purificadores do gás. Os empregados encarregados de acender os lampiões residiam em comum em um vasto salão, e os escravos da empresa ocupavam outro de igual extensão.

No pátio interno ficavam as fornalhas, as retortas, demais aparelhos para produção de gás e os três gasômetros.

No sobrado do corpo central, além da sala do telefone, gabinetes dos aparelhos fotométricos e escritório de plantas e desenhos, havia um salão, alcova e quarto servindo de residência do engenheiro-chefe.

O relógio de quatro faces no torreão é de fabricação inglesa. Depois do incêndio de 6 de abril de 1889 foi restaurado, funcionando até hoje.

Na parte superior da fachada lê-se a inscrição latina: Ex fumo dare lucem (Do fumo, a luz). Muitos consideraram impróprio esse verso de Horácio como legenda ou epígrafe de uma fábrica de gás. Primeiramente, porque não é admissível a confusão de gás com fumo ou fumaça; em segundo lugar, porque outro tinha sido o espírito daquelas palavras que Horácio escrevera para afirmar que a luz duradoura não é que provém do fogo de palha, mas a de robustas madeiras que primeiro fumegam e depois se incendeiam.

Ainda na fachada, ao lado da porta principal do edifício, havia um medalhão de ferro com o seguinte dístico: “Empresário Irineu Evangelista de Souza, Barão de Mauá – Contrato de 11 de março de 1851 – Engenheiro W. G. Ginty”.

Foi também esse engenheiro inglês, William Gilbert Ginty, quem, em 1860, dirigiu as obras de abertura do Canal do Mangue, cuja finalidade era, não somente secar os terrenos circunvizinhos, como permitir navegação a pequenas embarcações que trouxessem gêneros até à cidade. No fim de algum tempo, porém, os resíduos da Fábrica de Gás, o lodo e o cisco obstruíram essa obra, reduzindo-a a um depósito de lama e imundícies.

Na gravura, o Canal ainda está sem o gradil de ferro (recentemente retirado) e sem as setecentas palmeiras que foram plantadas em 1876, nas alamedas marginais.

No primeiro plano, vemos dois bondinhos de burro da Rio de Janeiro Street Railway Company. Como eram veículos do tipo fechado, alguns passageiros preferiam viajar na boleia ou na plataforma de trás – eram os chamados "plataformistas" ("pingentes" dos nossos dias).

2-museu-do-gas Aterrado I Aterrado II

A empresa fora fundada em 1869 com capitais americanos, sendo nacionalizada em 1873 sob a denominação de Companhia de São Cristóvão. Suas linhas partiam do Largo de São Francisco para o bairro de São Cristóvão, sendo posteriormente, estendidas para os do Rio Comprido, Andaraí, Tijuca, Saco do Alferes e Caju. Foi a Companhia que maior número de ramais possuía. Haja visto que em 1906 – vésperas da fase Light, quando se remodelou, unificou e eletrificou o serviço de bondes da cidade – a São Cristóvão contava com mais de 60km de extensão de linhas.

A alguns pode parecer que o autor da gravura, o inglês D. J. Anderson, tenha se enganado, fazendo trafegar os veículos pela mão esquerda. Acontece, porém, que, desde 1856, as primeiras concessões de bondes determinavam que os trilhos seriam assentados daquele lado das ruas. O que não conseguimos apurar foi quando os bondes passaram a trafegar pelo lado direito.

 

 

(Crônica de C. J. Dunlop, em "Chronicas", livro de 1973.)

*** Texto escrito em 1972. A imagem colorida, registrada em 2008, mostra o mesmo prédio, tombado pelo INEPAC em 1990 onde funcionou, até 1997, o Museu do Gás. O relógio citado na crônica funcionou até 2013; hoje encontra-se parado.