Alfredinho Jacinto Melo sabia que ia morrer, não sabia o dia.
Coerente, fez questão de ignorar os versos de Ataulfo, que bem cantava: “Eu quero morrer numa batucada de bamba / Na cadência bonita do samba”. Alfredinho, jamais. Nunquinha que ele iria morrer no meio da batucada, provocando algazarra, correria entre os músicos, barulheira na vizinhança e, pior de tudo, o fim do samba.
Alfredinho virou melodia na tarde do último sábado, na poltrona de sua casa em Copacabana, cercado pelos livros que gostava.
O fotógrafo Fabio Rossi foi quem nos apresentou, em 2002. “Suspeito que ele gostou de você…”, sorria Rossi. Perguntei por quê. “Olha, você chegou mamadaço, ficou parado na frente da geladeira, agarrou ele e ainda mandou: ‘Afonsinho, seu bar é o melhor’. E ele em vez de te comer no esporro, ficou rindo”. Mas aprendi rápido, tanto o nome certo como as sábias lições do Alfredinho. “Botequim é para sair bêbado, e não para chegar bêbado”, era uma de suas favoritas.
Foi um dos caras mais livres que já conheci, pois viveu a vida que escolheu, como bem definiu uma amiga. Ensinou a gente, em 75 anos de vida e quase 40 de bar, a odiar a miséria, e não os miseráveis. E, claro, a amar a nossa música.
Eu curtia ficar até a hora do bar fechar, quando esperava colher histórias e confissões entre as saideiras. Só que a bebedeira era tanta que eu sempre esquecia tudo no dia seguinte.
“Meu orgulho é que toda a nata do samba passou por aqui”, me disse ele um dia. “Dos que eu gosto, só faltou aparecer mesmo o Martinho e o Zeca Pagodinho”.
Num desses dias, 25 de novembro de 2016, coisa de 3h da matina, apareceram duas jovens argentinas querendo conhecê-lo. Ficaram conversando sobre os rumos da América Latina e coisas e tais, e acabaram comprando um livro para que ele autografasse. Alfredinho se esmerou na dedicatória, carinhoso. Elas, emocionadas, pediram que ele lesse as palavras para elas. Alfredo começou, e logo parou. Depois me disse: “Porra, nem eu entendi a merda da minha letra!”. E eu quase rolando de rir na calçada de Copa.
O pior escritor de dedicatórias do país será velado nesta segunda-feira no bar Bip-Bip, até as 15h. O enterro será no São João Batista, às 16h.
Obrigado por tudo, Alfredo.