Histórias de avó

Vo Lulu e familia

Vovó via vôlei, ao vivo ou videoteipe, e vibrava.

Viveu uma vida boa e longa, a ponto de ter visto 27 presidentes da República diferentes, fora o Temer. Partiu de Venceslau Brás, Delfim Moreira, Epitácio Pessoa, pegou depois José Linhares, Presidente Vargas e por aí foi. Bela estrada, hein dona Lulu?

Professora de matemática emérita e laureadíssima, colecionou números, alguns superlativos: em 53 anos de casamento, somou três filhas e um filho, multiplicou por sete netos, elevados a três bisnetos. O resultado é um amor difícil de calcular. Até para ela.

Pequenininha lá em Barbacena, Lulu conheceu algumas figuras. Foi, por exemplo, coleguinha de primário do cracaço de bola Heleno de Freitas – a quem chamava de Heleninho –, que virou filme com Rodrigo Santoro. Filme que ela fez questão de ir ver no cinema, cinéfila que era.

Décadas antes de inventarem a Netflix, era em frente à vovó que eu jantava. E tome história para me distrair das colheradas de espinafre – algo totalmente desnecessário, pois eu comia até pedra e adorava espinafre. Mas os roteiros eram incríveis, muito melhores que a programação de hoje.

O astro das histórias era o valente marujo Simbá, que na minha imaginação tinha a cara do Popeye. Simbá (ou Simbad) navegava lá de Bagdá (ou Bagdad) para encontrar ilhas cheias de tesouros, voar no dorso de condores imensos e, por incrível que pareça, comer exatamente o que tinha no meu prato para ficar fortão.

Devia ser uma delícia aprender matemática com dona Lulu.

Nos últimos meses, os “netinhos” iam levar um carinho e um quitute num cenário de história da carochinha adaptado para Copacabana. A avó deitada, cobertor nas pernas, o quarto silencioso, poucas palavras. Faltava só o lobo. Na última sexta-feira, o lobo veio e dona Lulu descansou.

Ficam as ótimas lembranças, o bom humor e as histórias saborosas. Lulu não ganhou fama como o célebre avô do amigo Renato Renart, inventor genial do requeijão, mas também criou uma guloseima famosa na família: o sanduíche de camadas, com recheios bem equilibrados de pasta de sardinha, maionese, creme de cheiro verde, azeitona e geleia. Se você já comeu em algum lugar e gostou, favor nos mandar o dindin dos royalties.

A vó faria 99 anos neste sábado, 7 de outubro. A missa de sétimo dia ali perto do Arpoador foi num clima de comemoração, portanto. Animadas pela menina de fazenda que era lembrada, as galinhas e patos do galinheiro logo atrás da igreja não pararam de cacarejar e grasnar. “Não foi missa de sétimo dia”, me abraçou o Fabio, amigo de 90 anos. “Foi missa do Galo!”. Deus te abençoe, Lulu.